ABC é uma forma poética tradicional, em que estrofes, usualmente de quatro versos, são criadas a partir da seqüência das letras do alfabeto. É uma forma muito antiga, já tendo sido encontrada em
textos europeus do IV. Existem registros de ABCs em várias partes do Brasil,
como pode ser apreciado, por exemplo, nos “Cantos e Contos
do Brasil", de Sílvio Romero. No sertão brasileiro, em outros tempos, tinha função de registrar biografias de pessoas destacáveis ou documentar acontecimentos relevantes.
Diamante Cocotóis, descendente de gregos, era uma senhora detentora de incrível memória. Ela nasceu
na Ilha Grande, possivelmente na década de 1930, e passou quase toda sua vida na Vila
do Abraão. Foi para cidade de Angra dos Reis apenas na velhice, quando adoeceu e teve que ficar
aos cuidados alheios, em uma casa de repouso, até seu falecimento no ano de 2015.
Trago aqui um singelo ABC de amor e saudade, infelizmente incompleto e de autor desconhecido, que transcrevi de uma gravação em fita cassete que fiz com Diamante no início dos anos 2000, quando ela me me deixou registrar várias de suas lembranças de meninice.
Amada
do coração
Adeus
que eu já vou embora
Clamando
de saudades tua
Suspirando
toda hora
Bem
sabes prenda querida
Que
eu te amo de verdade
Se
soubesses que eu morri
Digas
que foi a saudade
Contigo
eu vivo em sentido
Toda
noite todo dia
Quando
eu não posso te ver
Não
posso ter alegria
De
ti, quando me apartei
Foi
com prantos e suspiros
Meus
olhos vivem chorando
Quando
me vêem nesse arretiro
Eu
vivo só imaginando
Como
poderei passar
Sem
te ver a tanto tempo
Nesse
tristonho lugar
Fechou-se
meu coração
Meus
olhos vivem chorando
Lágrimas
em mim não cabem
Sozinha,
aqui estou penando
Grandes
desgostos eu tenho
Grandes
penas me acompanham
Grandes
tormentos eu padeço
Nessas
terríveis montanhas
Hei
de mostrar meu sentido
Do
que sinto em minha vida
Em
lembranças envolventes [?]
De
pessoas tão queridas
Ainda
eu não separei
De
mim aquela agonia
Que
tive quando apartei
De
ti [?] em tão triste dia
Já
passei tantos tormentos
Que
mal digo a minha sorte
Quando
de ti me apartei
Já
senti a dor da morte
Cada
vez que eu me recordo
Daquela
tarde ditosa
Que
teve por despedida
Fico
ainda pesarosa
Lágrimas
hei de chorar
Enquanto
tiverdes esperança
Quando
eu não te posso ver
Chorai
minha vingança
Meu
peito padece dor
Minha
alma sofre agonia
Meus
olhos vivem chorando
Terão
consolo algum dia
Não
posso mais relatar
O
meu grande sofrimento
Minha
vida acabarei
Contigo
no pensamento
O
mundo falso, enganoso
Sempre
me traz perseguida
Mas
eu só sinto não ver
A
minha prenda querida
Por
dentro toda firmeza
Embora
estejas ausente
Lembrando
sempre de ti
Como
se fosse presente
Quem
me dera adivinhar
Se
tu te lembras de mim
Como
de ti me alembro
Lembranças
que não tem fim
Retratas
a formosura
Oh,
que coisa tão galante
Eu
só te posso comparar
Com
pedra [...] e diamante
Senhor,
eu vou vos [?] pedir
Por
amizade um favor
Por
estares de mim ausente
Não
me negues teu amor
Tenho
te dito meu bem
Todos
meus pensamentos
Para
de novo te ver
Eu
vivo contando os momentos