Publicado no jornal O Eco (Angra dos Reis, Ilha
Grande) pág. 19, 01.09. 2013
No litoral sul do Estado do Rio de
Janeiro, são chamados de ciranda bailes populares tradicionalmente acompanhados
por viola, pandeiro e muitas vezes por rabeca, onde determinadas músicas, por
vezes chamadas de modas ou miudezas, são executadas em associação com danças de
coreografias características. Dentre as modinhas cantadas e dançadas nestes bailes
estão a cana verde, a marrafa, o caranguejo, a tonta, a barra do dia e muitas
outras.
Em diferentes partes do Brasil, o nome ciranda é usado para designar
manifestações populares distintas. Por exemplo, ciranda de Pernambuco é gênero
musical e dança de roda atualmente bem difundida, mas muito distinta da ciranda
caiçara. Por outro lado, a ciranda caiçara é estreitamente ligada com o que se
chama de fandango no litoral de São Paulo e Paraná. Como falou o folclorista
Silvio Romero, no final do século XIX, “chama-se xiba, na província do Rio de
Janeiro, samba no norte, fandango no sul,” certos “bailes rústicos... ao som de
viola e pandeiro”. Ainda que, de acordo com o contexto, os termos xiba,
ciranda, fandango e ainda cateretê possam ser usados como sinônimos ou não,
aqui é importante destacar a origem comum e as semelhanças existentes entre
ciranda caiçara, fandango paulista e paranaense, algumas danças infantis de
roda e quadrilhas de folguedos juninos existente no Estado do Rio de Janeiro.
O município de Paraty é onde se tem
melhor conservada a ciranda caiçara. Este município foi fundado no limiar do
século XVII e alcançou grande prosperidade ao longo dos séculos subseqüentes,
sendo o caminho dos que buscavam o ouro das Minas Gerais. Contudo, sofreu
uma derrocada abrupta no final do século XIX, que se pode atribuir à construção
da estrada de ferro ligando Rio de Janeiro e São Paulo por terra, que tornou
desnecessário o uso do porto de Paraty, e o impacto da abolição da escravidão
para a economia local. Isto gerou abandono e grande isolamento para o
município, que teve como lado positivo a preservação da arquitetura e de sua
rica cultura popular, incluindo a ciranda. Já no vizinho município de Angra dos
Reis, a linhagem da antiga ciranda parece estar em vias de extinção. Sobre
isto, é interessante lembrar o relato do folclorista Alceu Maynard de Araujo da
existência de um último construtor de violas em Angra dos Reis iguais às usadas
pelos fandangueiros de São Paulo e Paraná, ainda na década de 1950.
Tendo passado toda sua vida na Ilha
Grande, a descendente de gregos Diamante Cocotós nos relatou sobre várias
manifestações culturais populares guardadas em sua memória. Das diversas vezes
que conversei sobre os bailes populares e as canções de ciranda com Diamante, a
moda que mais lembrava era o Filipe, que ela achava muita graça ao cantar.
Infelizmente a frágil fita cassete em que gravei seu canto, em 2001, foi
perdida, de forma que não foi possível resgatar a melodia com a maneira
peculiar que ela cantava. Mas os versos estão transcritos abaixo,
ressaltando-se que durante a cantoria cada estrofe é sempre intercalada com o
refrão.
Ô Filipe, meu filho da calça apertada
No chapéu traz uma fita encarnada
Quá, quá, rá quá quá
Namora Filipe que não faz mal Refrão
Namora de lá prá cá
Ô Filipe, meu filho, tu me consome
Tu sois o botão da casaca dos homens
Encontrei Filipe no alto do morro
Com a vara na mão chamando os cachorros
Encontrei Filipe no alto da serra
Lavado de sangue que vinha da guerra
Encontrei com Filipe lá na prainha
Com o remo nas costas matando sardinha
Encontrei com o Filipe descendo do banco
Tirando o sapato e calçando o tamanco
Ô Filipe meu filho da onde vieste
Eu vim da lagoa do canto de leste
Encontrei com o Filipe lá no Jordão
Com o remo nas costas e a linha na mão
Ô Filipe é bão, ô Filipe é mau
Agarraram o Filipe e meteram o pau
Um dos primeiros trabalhos de pesquisa
aprofundados sobre música de ciranda caiçara foi feito em Paraty, no ano de
1960, por Dulce Martins Lamas, que publicou seus resultados na Revista
Brasileira do Folclore em 1962. Neste trabalho o Filipe é citado como
dança paratiense e possui versos distintos daqueles cantados por Diamante e
aparentemente com alguns improvisos do cantador. O que se mantém constante nas
distintas versões é apenas a parte do refrão que diz “quá quá rá rá quá, namora
Filipe que não faz mal”. Da mesma forma, a versão do Filipe gravada
em CD em 1997 pelo tradicional grupo Os Coroas Cirandeiros, de Paraty, possui
versos distintos dos anteriormente citados, mas o mesmo trecho do refrão se
repete.
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